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Poesias
Poesias

Musa de Consolatrix

 

"Que a mão do tempo e o halito dos homens
Murchem a flor das ilusões da vida,
     Musa consoladora,
É no teu seio amigo e socegado
Que o poeta respira o suave somno.

Não ha, não ha comtigo,
Nem dor aguda, nem sombrios ermos;
Da tua voz os namorados cantos
     Enchem, povoam tudo
De intima paz, de vida e de conforto.

Ante esta voz que as dores adormece,
E muda o agudo espinho em flor cheirosa,
Que vales tu, desillusão dos homens?
     Tu que pódes, ó tempo?
A alma triste do poeta sobrenada
     Á enchente das angustias;

E, afrontando o rugido da tormenta,
Passa cantando, alcyone divina.

     Musa consoladora,
Quando da minha fronte de mancebo
A ultima illusão cair, bem como
     Folha amarella e seca
Que ao chão atira a viração do outono,
     Ah! no teu seio amigo
Acolhe-me, — e haverá minha alma afflicta,
Em vez de algumas illusões que teve,
A paz, o ultimo bem, ultimo e puro!"

 

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Stella

"Já raro e mais escasso
A noite arrasta o manto,
E verte o ultimo pranto
Por todo o vasto espaço.

Tibio clarão já córa
A tela do horisonte,
E já de sobre o monte
Vem debruçar-se a aurora.

Á muda e torva irmã,
Dormida de cansaço,
Lá vem tomar o espaço
A virgem da manhã.

Uma por uma, vão
As pallidas estrellas.

E vão, e vão com ellas
Teus sonhos, coração.

Mas tu, que o devaneio
Inspiras do poeta,
Não vês que a vaga inquieta
Abre-te o humido seio?

Vai. Radioso e ardente,
Em breve o astro do dia,
Rompendo a nevoa fria,
Virá do roxo oriente.

Dos intimos sonhares
Que a noite protegera,
De tanto que eu vertera
Em lagrimas a pares,

Do amor silencioso,
Mystico, doce, puro,
Dos sonhos de futuro,
Da paz, do ethereo gozo,

De tudo nos desperta
Luz de importuno dia;
Do amor que tanto a enchia
Minha alma está deserta.

A virgem da manhã
Já todo o céu domina...
Espero-te, divina,
Espero-te, amanhã."

 

"Eras pallida. E os cabellos,

Aereos, soltos novellos,

Sobre as espaduas cahiam...
Os olhos meio-cerrados
De volupia e de ternura
Entre lagrimas luziam...
E os braços entrelaçados,
Como cingindo a ventura,
Ao teu seio me cingiam...

Depois, naquelle delirio,
Suave, doce martyrio
De pouquissimos instantes,
Os teus labios sequiosos,
Frios, tremulos, trocavam
Os beijos mais delirantes,
E no supremo dos gozos

Ante os anjos se casavam
Nossas almas palpitantes...

Depois... depois a verdade,
A fria realidade,
A solidão, a tristeza;
Daquelle sonho desperto,
Olhei... silencio de morte
Respirava a natureza —
Era a terra, era o deserto,
Fôra-se o doce transporte,
Restava a fria certeza.

Desfizera-se a mentira:
Tudo aos meus olhos fugira;
Tu e o teu olhar ardente,
Labios tremulos e frios,
O abraço longo e apertado,
O beijo doce e veemente;
Restavam meus desvarios,
E o incessante cuidado,
E a phantasia doente.

E agora te vejo. E fria
Tão outra estás da que eu via
Naquelle sonho encantado!
És outra – calma, discreta,
Com o olhar indifferente,
Tão outro do olhar sonhado,
Que a minha alma de poeta

Não vê se a imagem presente
Foi a visão do passado.

Foi, sim, mas visão apenas;
Daquellas visões amenas
Que á mente dos infelizes
Descem vivas e animadas,
Cheias de luz e esperança
E de celestes matizes:
Mas, apenas dissipadas,
Fica uma leve lembrança,
Não ficam outras raizes.

Inda assim, embora sonho,
Mas, sonho doce e risonho,
Désse-me Deus que fingida
Tivesse aquella ventura
Noite por noite, hora a hora,
No que me resta de vida,
Que, já livre da amargura,
Alma, que em dores me chora,
Chorára de agradecida!"


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Horas Vivas

 

"Noite: abrem-se as flôres...

        Que esplendores!
Cyntia sonha amores
        Pelo céu.
Tenues as neblinas
        Ás campinas
Descem das collinas,
        Como um véu.

Mãos em mãos travadas,
        Animadas,
Vão aquelas fadas
        Pelo ar;
Soltos os cabellos,
        Em novellos,
Puros, louros, bellos,
        A voar.


— «Homem, nos teus dias
        Que agonias,
Sonhos, utopias,
        Ambições;
Vivas e fagueiras,
        As primeiras,
Como as derradeiras
        Illusões!

— «Quantas, quantas vidas
        Vão perdidas,
Pombas mal feridas
        Pelo mal!
Annos após annos,
        Tão insanos,
Vêm os desenganos
        Afinal.

— «Dorme: se os pesares
        Repousares,
Vês? – por estes ares
        Vamos rir;
Mortas, não; festivas,
        E lascivas,
Somos – horas vivas
        De dormir! "